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Poço artesiano é ilegal no seu próprio terreno? A burocracia por trás da água que não é sua

 O Brasil é mestre em criar regras sem sentido. As leis são confusas, as burocracias intermináveis e as normas, muitas vezes, mais arrecadam do que protegem. O exemplo perfeito está debaixo do seu quintal: a água subterrânea.

Muita gente nem sabe que simplesmente perfurar um poço artesiano e usá-lo dentro do próprio terreno é proibido. As pessoas acham que podem furar, mas na prática, o buraco é muito mais embaixo. É preciso uma autorização do governo para poder utilizar essa água. E, além de ser obrigatório, o processo é caro, demorado e cheio de papelada.

O problema é que, entre a boa intenção da lei e a realidade, o sistema virou uma armadilha. A água que está sob a sua casa não é sua, o uso depende de autorização e, mesmo assim, milhões de brasileiros ignoram a lei. Eles o fazem não por maldade, mas por necessidade.

Então, por que tanta gente perfura poço ilegalmente? E será que a regulamentação protege a água ou protege os lucros das concessionárias?

A Lei exige a instalação do hidrômetro para controle. Muitas vezes, ele é usado para calcular a taxa de esgoto, mesmo se você usa água do poço. [IMAGEM ILUSTRADA]

A Lei Seca dos Poços: Entenda a Mudança de 1988

Antes de 1988, se você era dono de um terreno, a água debaixo dele era sua. Era simples assim. Mas a Constituição Federal de 88 mudou as regras do jogo: a água passou a ser considerada um bem de domínio público.

Na prática, isso significa que, mesmo estando no seu quintal, a água não é sua. Por ser um recurso limitado e essencial à vida, determinou-se que ela precisa ser protegida. Por isso, em 1997, foi criada a Lei 9.433, conhecida como Lei das Águas, que obriga qualquer uso de água subterrânea a ter  autorização prévia do poder público, a chamada outorga.

Casos de Isenção de Outorga (Uso Insignificante)

Em alguns casos, quando o volume de água captada é muito pequeno, o uso pode ser considerado insignificante e dispensado da outorga. Cada estado define seus próprios limites.

Em São Paulo, por exemplo: Se você capta até 15 mil litros por dia de um poço, ou até 25 mil litros de um rio, isso é considerado um uso pequeno e não precisa de outorga, apenas do cadastro no sistema SP Águas.

Também estão isentos quem tem poço só para medir o nível da água, para limpar áreas contaminadas ou para rebaixar o lençol freático sem usar essa água.

Mesmo os poços que já existem não estão automaticamente liberados. No Rio Grande do Sul, por exemplo, a resolução CLH nº 402 de 2022 permite uma regularização provisória para poços antigos, desde que o responsável faça o cadastro no sistema de outorga do Estado até o fim de 2025. Isso dá um prazo para se adequar, mas não elimina a burocracia.

Essa é uma daquelas regulamentações que até fazem sentido. A ideia é evitar a superexploração dos aquíferos, controlar a qualidade da água e garantir que esse recurso continue disponível para as próximas gerações. No entanto, é aqui que os problemas começam. Essa regulamentação criou um conflito de interesses gigantesco

Regularização: O Custo da Legalidade e o Conflito de Interesses

Se todo mundo tiver poço, a concessionária não ganha com a distribuição da água.

Obter a regularização de um poço artesiano no Brasil é dispendioso, leva tempo e apresenta desafios. Isso é um dos motivos pelos quais 88% dos poços no Brasil são irregulares. O processo pode custar dezenas de milhares de reais, sem contar possíveis adequações técnicas.

O processo envolve muitas etapas, entre elas:

1.  Licença de perfuração.
2.  Estudos hidrogeológicos e laudos técnicos.
3.  Análises de qualidade.
4.  Outorga de uso.
5.  Cadastro em múltiplos órgãos.
6.  Instalação obrigatória de hidrômetro.

A lista não acaba. Apenas o governo do Estado pode autorizar, e os municípios não têm essa competência. Ou seja, mesmo conhecendo melhor a realidade local, a prefeitura da sua cidade não pode autorizar o seu poço.

A Obrigação de Pagar Esgoto Mesmo Usando Água Própria

A Lei 11.445 de 2007 estabelece que quem tem ligação com a rede pública não pode usar fonte alternativa de água ao mesmo tempo. A lei fala que a instalação hidráulica predial ligada à rede pública de abastecimento de água não poderá ser também alimentada por outras fontes.

E ainda assim, quem tem poço regularizado e não usa a rede pública pode ser obrigado a pagar a taxa de esgoto para a concessionária. A lógica é simples: toda água que entra na sua casa precisa sair como esgoto. E se há rede de coleta disponível, você paga, mesmo não usando a água da empresa.

Riscos Reais e a Necessidade no Campo 

Nem tudo é conspiração econômica. Existem preocupações técnicas reais que justificam parte da regulamentação:

Interferência: Poços muito próximos podem reduzir a vazão uns dos outros.
Contaminação: Poços podem estar expostos a rejeitos industriais, fossas, agrotóxicos ou combustíveis, causando sérios problemas de saúde.
Estiagem: O uso descontrolado pode esgotar reservas subterrâneas.

Em situações de estiagem, o problema se agrava. O DRH (Departamento de Recursos Hídricos do Rio Grande do Sul), por vezes, proíbe o uso da água de poços, mesmo regularizados, quando a captação é para atividades não essenciais, como lavagem de carro e calçadas.

Nas áreas rurais, o poço artesiano muitas vezes é a única opção de acesso a água, mas mesmo nesses casos, o processo é burocrático e caro. Muitas vezes, a razão para 88% dos poços serem irregulares não é má-fé, mas pura necessidade e falta de condições de seguir todos esses passos.

Disputa Judicial: A Prioridade é Sempre da Rede Pública

O conflito entre regras e realidade fica ainda mais evidente em disputas judiciais:

O Caso Santa Maria (RS): Uma lei municipal tentou autorizar o uso de poços para consumo humano em residências, desde que regularizados. A Corsan (companhia de água estatal) reagiu, argumentando que a lei era inconstitucional, pois o município não pode legislar sobre recursos hídricos. A disputa virou uma guerra entre esferas de poder.

A Sentença do TJRS (2018): O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul proibiu um condomínio residencial de usar um poço artesiano para consumo, mesmo com ele regularizado. Os desembargadores foram claros: onde existe rede pública, a prioridade é dela.

O argumento central é que o uso de recursos hídricos precisa considerar o interesse coletivo na preservação ambiental. O entendimento é que a água subterrânea deve ser reservada para situações específicas (industriais ou rurais), e em zonas urbanas com rede disponível, a prioridade é manter o controle público para evitar riscos maiores ao coletivo.

Conclusão: O Conflito Entre Regras e Realidade

Estima-se que existam mais de 400 mil domicílios no Rio Grande do Sul abastecidos por poços irregulares, e o Poço Artesiano virou um símbolo de uma discussão muito maior sobre o papel do Estado na vida do cidadão.

De um lado, temos preocupações ambientais legítimas. A água é um recurso finito que precisa ser preservado. Do outro lado, temos um sistema burocrático que:

Cobra milhares de reais para autorizar algo que deveria ser direito básico.
Demora meses para aprovar casos óbvios.
Às vezes nega acesso à água mesmo quando não há alternativa.

O resultado é que 9 em cada 10 poços funcionam irregularmente. Não porque os brasileiros são naturalmente desobedientes, mas porque o sistema é naturalmente inviável.

E você? Concorda que o sistema é inviável? Qual a sua opinião sobre a água que está sob o seu terreno não ser sua? Deixe seu comentário abaixo!**



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