Outro dia eu precisava comprar um produto bem específico — um adaptador P10. Entrei no Mercado Livre e vi que o valor era R$ 15,26. Mas na hora da compra percebi que o frete era R$ 8,99, mais de 50% do valor do produto, e que eu ia pagar R$ 24,25 no total. Tudo isso para receber o produto dali a alguns dias.
Aí eu simplesmente passei numa loja do centro e paguei R$ 18,00 para ter o produto na hora.
Aparentemente, eu faço parte dos 66% de consumidores que desistem da compra online quando percebem que o frete encarece demais o pedido. É nessa hora que a tal promessa de frete grátis parece tentadora. Afinal, se não tem custo de entrega, a compra parece automaticamente mais vantajosa.
Mas será que a gente realmente está economizando ou só pagando esse frete de um jeito diferente? E quem realmente paga a conta do frete grátis
A Ascensão do Frete Grátis
Você provavelmente já ficou feliz ao ver um produto com frete grátis. E como em anos anteriores, todo mundo adora essa palavrinha mágica: “grátis”.
Inclusive, ela tem um peso enorme na nossa decisão de compra. No Brasil, essa estratégia ganhou força com a consolidação de grandes players como Amazon, Shopee e Mercado Livre.
A Amazon, por exemplo, transformou o frete grátis em um dos principais benefícios do programa Prime. Com uma assinatura anual, o consumidor tem acesso a uma série de produtos com entrega gratuita e rápida — o que naturalmente virou um baita diferencial competitivo.
A Shopee também embarcou nessa onda. Criou programas de frete grátis que se tornaram um dos maiores atrativos da plataforma. Isso fez com que outras plataformas precisassem se adaptar para não perder espaço no mercado.
O resultado é que frete grátis virou praticamente um padrão. E depois de anos difíceis com inflação e crise econômica, o brasileiro ficou mais cauteloso com o bolso. Na hora de fechar uma compra, qualquer custo extra pesa.
Por Que o Frete Grátis Conquista Tanto o Consumidor
Para mim, tem também o fato de que aumentamos o leque de produtos nas compras online — inclusive para produtos mais baratos. E aí, quando se compra um produto de R$ 5,00 ou R$ 10,00 e o frete é maior que o valor do produto, a gente acaba desistindo e indo comprar numa loja física. A lógica é simples: por que pagar um frete para ter o produto daqui a dois ou três dias, se eu posso ter ele agora?
Claro que a vantagem de comprar pela internet é que sempre tem mais opção, com preços e avaliações de pessoas que já compraram aquele mesmo produto. Casos onde o frete é 50% do valor do produto são mais raros, mas acontecem.
Uma pesquisa da Opinion Box mostrou que 66% dos consumidores desistem da compra quando o frete é mais caro do que o esperado e 73% dizem que o frete grátis é fator decisivo na hora de escolher uma loja.
Isso acontece porque o “grátis” mexe com a nossa cabeça. Mesmo que o valor do frete esteja embutido no preço final, a ideia de não pagar pela entrega cria a sensação de vantagem.
Uma das táticas mais usadas, especialmente por grandes plataformas, é oferecer frete grátis apenas em compras acima de um valor mínimo. Isso incentiva o cliente a gastar mais para atingir esse limite — e com isso, o custo do frete acaba sendo diluído no valor total da compra.
É um jeito eficiente de aumentar o ticket médio sem parecer que o frete está sendo cobrado. Mas será que esse frete grátis é realmente grátis? E quem é que acaba pagando essa conta no final?
Quem Paga a Conta
O frete pode até parecer grátis, mas alguém sempre paga essa conta — e geralmente não é a plataforma. Para o consumidor, o custo do frete muitas vezes vem camuflado no valor do produto. A lógica é simples: a loja aumenta um pouco o preço do item e anuncia que a entrega é gratuita.
Ou seja, você paga — só que de um jeito diferente. A Moovin alerta que muitos consumidores já perceberam essa prática:
O consumidor está atento a tudo. Ele pesquisa, compara e sabe quem está oferecendo a ele a oportunidade de economizar de verdade. Logo, não adianta transferir o desconto do frete para o preço da mercadoria.
Mas enquanto o consumidor ainda acha que saiu no lucro, quem realmente sente o impacto são os lojistas, especialmente os pequenos e médios. Oferecer frete grátis exige planejamento e estrutura, e isso é algo que os grandes marketplaces têm de sobra. Já os pequenos vendedores ficam espremidos.
Muitos são obrigados a bancar esse custo para não perder vendas, o que reduz suas margens e em alguns casos torna o negócio inviável. E isso ainda traz outro problema: quando o frete grátis é embutido no preço, o lojista corre o risco de perder dinheiro em entregas para regiões distantes.
Se a venda é de São Paulo para São Paulo, o custo de envio é baixo. Mas se o pedido vai para o Acre ou Amazonas, o valor do frete pode ultrapassar o previsto — gerando prejuízo. Alguns até limitam o frete grátis a certas regiões para evitar essa perda.
O Caso do Mercado Livre e da Shopee
O caso do Mercado Livre mostra bem como isso funciona. Ao vender com frete grátis, o custo é calculado com base no peso e tamanho da embalagem e depois descontado diretamente da conta do vendedor no Mercado Pago. Se o pacote for maior ou mais pesado do que o informado, o frete sai mais caro — e isso pode impactar as próximas vendas.
A plataforma até oferece desconto no frete, mas isso depende da reputação do vendedor e do preço do produto. Ou seja: quem tem melhor desempenho paga menos, e quem não tem, arca com o custo cheio.
O Mercado Livre também encontrou um jeito próprio de sustentar a promessa de entrega rápida: o serviço FULL. Nesse modelo, o vendedor envia seu estoque para um centro de distribuição da plataforma, e o próprio Mercado Livre cuida de tudo — armazenamento, embalagem, envio e até atendimento pós-venda.
Com isso, eles conseguem oferecer frete grátis com desconto para o vendedor, cobrindo 50% do valor em compras acima de R$ 79,00 e garantindo prazos mais curtos. Em troca, o produto ganha mais destaque nas buscas e campanhas especiais.
Essa estrutura permite que o Marketplace mantenha um nível de serviço alto e competitivo, mas também reforça como apenas empresas com grande capacidade logística conseguem bancar e escalar um modelo assim. A Shopee é outro exemplo disso. Por fora parece que o frete é cortesia da plataforma, mas por dentro a conta é bem diferente.
Participar do programa de frete grátis significa pagar uma comissão de 14% sobre o produto, um acréscimo de R$ 4,00 por item vendido, além de uma taxa extra de 6% só pelo frete grátis, com exceção apenas para produtos abaixo de R$ 8,00.
E tem mais: os cupons de frete grátis só funcionam em compras acima de R$ 19,00, e o benefício é limitado. Se o valor do frete ultrapassar R$ 20,00, a Shopee oferece apenas um desconto parcial — até R$ 10,00 — e o cliente paga a diferença. Só que isso nem sempre é claro no momento da compra.
Quem não participa do programa paga os mesmos 14% de comissão e os R$ 4,00 por item, mas não tem o mesmo destaque visual na plataforma. E ainda precisa competir com quem oferece cupons e descontos, o que pode espantar o consumidor.
Para o lojista, além do custo, existe o desafio logístico. Oferecer frete grátis gera mais pedidos, e se o sistema não estiver preparado, começam os atrasos, erros nas entregas e reclamações. Isso pesa especialmente na chamada “última milha”, aquele trecho final da entrega que exige agilidade e boa estrutura de distribuição.
E é aí que entram as transportadoras.
O Impacto nas Transportadoras e na Sustentabilidade
As transportadoras estão no meio dessa equação desequilibrada. Com mais volume e menos tempo para entregar, precisam correr para dar conta da demanda. Mas, com lojistas apertando margens e plataformas pressionando por preços menores, sobra pouco recurso para manter a qualidade.
O resultado é mais falhas, mais estresse e menos sustentabilidade no processo. E a conta não termina aí. Mesmo quando a entrega é grátis, os tributos continuam sendo cobrados. O ICMS, por exemplo, incide sobre o valor do frete — e isso vale tanto para o consumidor quanto para o vendedor, dependendo de quem contratou a transportadora.
Ou seja, mesmo que o site anuncie frete grátis, o fisco continua recebendo imposto sobre essa parte da operação. Os PIS e COFINS também entram nessa. Dependendo de como o frete é contratado, ele pode gerar crédito tributário para a empresa — mas isso só vale para quem tem uma boa estrutura contábil.
Como nem todo pequeno lojista consegue operar nesse nível, acaba pagando imposto sem o benefício de abater depois.
O Barato Que Sai Caro
Enquanto o consumidor comemora um benefício, muita coisa acontece nos bastidores e quase ninguém vê. O resultado disso é um mercado desigual, onde poucos ganham muito e muitos mal conseguem se manter.
Na prática, essa vantagem só é sustentável para quem tem escala, volume alto de vendas e estrutura logística robusta. São os grandes players que conseguem negociar com transportadoras, diminuir o custo entre milhares de pedidos e até absorver parte da perda — porque sabem que o ganho vem no volume.
Já para os pequenos lojistas, essa conta quase nunca fecha. Eles entram numa corrida perigosa para se manterem competitivos, mesmo que isso signifique sacrificar parte do lucro.
A Moovin explica que muitos deles até tentam oferecer o benefício, mas precisam colocar valor mínimo de compra, limitar regiões ou restringir categorias de produto para não ficarem no prejuízo.
O frete grátis pode até ser uma boa estratégia, mas só se for bem planejado. Do contrário, vira uma armadilha. E o resultado disso é um ecossistema desequilibrado, onde as grandes empresas crescem e os pequenos ficam cada vez mais pressionados.
Tudo isso escancara um problema: o frete grátis, do jeito que é apresentado, não é transparente. A sensação de vantagem, muitas vezes, é só uma ilusão — e ela tem custo.
Conclusão: Menos Ilusão e Mais Verdade
Talvez o caminho esteja em tornar as regras do jogo mais claras. Em vez de “tudo grátis o tempo todo”, práticas mais honestas e transparentes podem ser mais justas para todos — e também podem fazer com que o consumidor entenda o lado do lojista, especialmente dos menores.
O consumidor precisa entender de onde vem o grátis, e o lojista precisa encontrar jeitos mais saudáveis de competir, sem entrar numa guerra de preços ou ficar dependente das plataformas. É isso que cria um mercado mais sustentável para todo mundo.
No final, não se trata de acabar com o frete grátis, mas de tratar ele com a seriedade que merece — com menos ilusão e mais verdade.
E você, concorda comigo? O que acha dessa ideia de frete grátis que parece vantagem, mas muitas vezes só muda de nome

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