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A fuga da CLT: Entenda por que cada vez mais brasileiros estão pulando fora

 Em 1943, a carteira assinada surgiu como promessa de proteção. Hoje, basicamente virou piada. O que era símbolo de estabilidade agora é visto como prisão. E tem jovem dizendo que vai estudar para não virar CLT. Mas não é só o trabalhador que está insatisfeito. Do outro lado, empresários vivem um pesadelo jurídico. Nos últimos 10 anos, as empresas brasileiras pagaram 161 bilhões de reais em indenizações trabalhistas. A verdade é que a CLT criou um sistema onde todo mundo perde. O trabalhador se sente preso, o empresário tem medo de contratar e a economia trava. Não é coincidência que jovens prefiram virar influenciadores a ter carteira assinada. Nem que empresas contratem cada vez menos. O que transformou um sistema criado para proteger em algo que atrapalha todo mundo? E, mais importante: existe uma saída que não dependa do governo resolver tudo para nós?

Carteira de Trabalho Brasileiro [Imagem Gerada IA]

O sistema que nasceu torto

Eu ouço cada vez mais pessoas falando que nunca mais vão voltar para a CLT. Mas essas pessoas não estão falando em trabalhar informalmente. Elas estão escolhendo virar prestadores de serviço com CNPJ. Ao invés de ter um patrão, preferem ser seu próprio chefe, com um ou vários clientes. Com mais liberdade e flexibilidade do que um contrato fixado por horas de trabalho.

Mas, para entender a CLT, a gente precisa voltar a 1940, quando ela surgiu. Naquela época, o Brasil vivia a transição da economia rural para industrial. Grandes fábricas contratavam centenas de trabalhadores, e realmente havia desequilíbrio de poder. Poucas grandes empresas ditavam as regras para muitos trabalhadores. Jornadas de 12, 14 horas eram comuns. Não havia limite, descanso semanal, férias ou qualquer proteção. Exploração mesmo, em uma época em que o cidadão comum não tinha voz alguma.

A CLT surgiu em 1943 para combater isso, definindo uma jornada de trabalho limitada a 8 horas por dia, salário mínimo, férias pagas e descanso semanal. Na época fazia sentido. Mas aqui está a questão: esse Brasil de 1940 não existe mais. Hoje, a realidade é completamente diferente. A maioria das contratações não vem de grandes indústrias, mas de empresas pequenas e médias. São negócios que lutam para crescer, não gigantes que exploram trabalhadores. E essas empresas enfrentam um dilema que a CLT criou: como contratar alguém que vai custar muito mais do que o salário, e que, quando demitir, pode custar uma fortuna ou até virar processo judicial?

As manufaturas brasileiras são indústrias responsáveis por transformar matérias-primas em produtos acabados, como as dos setores têxtil, automobilístico e alimentício. O economista Igor Moraes fez uma análise bem reveladora. Entre 2013 e 2022, essa indústria pagou 161 bilhões de reais em indenizações trabalhistas. Em 2022, foram 12,6 bilhões o equivalente a 3,3% de toda a folha salarial do setor. Para dimensionar o tamanho da loucura, o governo projeta R$ 150 bilhões em investimentos industriais para os próximos 10 anos. As indenizações da última década já ultrapassaram isso.

Como o economista aponta, esses números deixam a impressão de que a indústria brasileira é um fiasco, que não sabe contratar, que os RHs são mal treinados, que os funcionários são tratados de forma desumana e que o empresário não se importa com o seu funcionário. A realidade é que se criou uma verdadeira indústria das indenizações, onde advogados trabalhistas e grupos de interesse lucram com essa insegurança jurídica. O economista não tem dúvidas: defende uma segunda reforma trabalhista que elimine de vez a CLT e todo o aparato jurídico e institucional ao redor desse modelo antiquado e permissivo.

Essa é a indústria das indenizações

Um sistema onde advogados e sindicatos ganham mais que empresários e trabalhadores. Para entender a que ponto chegamos, dá uma olhada nessa história recente: o Pão de Açúcar foi condenado a pagar 10 mil reais de indenização por demitir um padeiro que, supostamente, estava indo trabalhar bêbado. A defesa alegou que ele não estava alcoolizado, mas desorientado por medicamentos para alcoolismo.

Eu tive um caso parecido quando trabalhei no Canadá. Um colega que havia sido contratado começou a faltar, chegar de ressaca ou bêbado para trabalhar e também pedir dinheiro adiantado. Ele durou duas semanas e nunca mais ouvi falar dele. Simples assim. Mas no Brasil, o tribunal decidiu que demitir alguém por, supostamente, trabalhar embriagado foi excesso de rigor da empresa.

E num outro caso também bizarro, uma empresa foi condenada a pagar 30 mil reais de indenização a um funcionário que fraturou a mão ao cair da cadeira enquanto trabalhava de home office. O cara estava na casa dele, sentado na cadeira dele, aí ele supostamente caiu da cadeira por acidente, quebrou a mão e decidiu processar a empresa que deu o direito de ele trabalhar de casa. E isso só não é mais bizarro do que saber que o cara ganhou esse caso.

Agora imagina o pequeno empresário lendo essas notícias. Como ele vai ter coragem de contratar sabendo que até demitir por suposta embriaguez ou cair da cadeira em casa pode virar processo? E é exatamente isso que acontece. Empresas param de contratar porque têm medo. A CLT criou tanta insegurança jurídica que contratar virou roleta-russa. O empresário pensa: “E se o funcionário for incompetente? E se ele faltar muito? E se ele criar caso?” Cada contratação vira um risco existencial.

O resultado é óbvio: menos empregos formais. E, quando há, são mal remunerados, porque a empresa precisa ter dinheiro guardado para possíveis processos. No fim, todo mundo sai prejudicado: o trabalhador que não consegue emprego, o empresário que não consegue contratar para crescer o negócio e a economia que anda em círculos.

Para você ter uma ideia, um funcionário com um salário de R$ 3.200 na carteira recebe R$ 2.910 líquidos após descontos do INSS e imposto de renda. Mas, para a empresa, ele custa R$ 5.440 quase o dobro por causa dos encargos, FGTS, décimo terceiro salário, férias e benefícios. E aqui tem um detalhe: esse décimo terceiro e férias extras são, na verdade, dinheiro seu que fica retido o ano todo para você receber depois. Isso ainda sem contar os riscos trabalhistas caso algo dê errado na relação. Não é à toa que tem muita gente caindo fora desse sistema.

A fuga do sistema

Para quem decide abandonar a CLT, normalmente existem dois caminhos: abrir uma empresa e se tornar um prestador de serviço, com CNPJ, contrato de prestação de serviço e emissão de nota fiscal normalmente começando como MEI, ou microempreendedor individual ou então seguir o caminho da informalidade, sem abrir uma empresa e legalizar sua nova forma de trabalho. Mas, em muitos casos, a informalidade é uma etapa antes de a pessoa abrir um MEI e passar para o lado formal do trabalho, como um prestador de serviços.

E aí começam a surgir dados interessantes. No passado, a informalidade era a última opção, escolhida por quem estava desesperado para trabalhar e não conseguia trabalho formal. Mas hoje virou uma escolha, especialmente entre os qualificados. Em 2012, apenas 34% dos trabalhadores sem carteira assinada possuíam ensino médio completo ou superior. Já em 2024, esse número subiu para 54%. Isso significa que mais da metade dos informais hoje tem escolaridade alta. Não são pessoas sem opção. São pessoas que optam por sair do sistema.

A história de Tassiano Rocha é emblemática. Depois de 17 anos numa indústria farmacêutica, com todos os supostos benefícios da CLT, ele largou tudo para ser motorista de aplicativo. Muito provavelmente como MEI, mantendo a formalidade, mas ganhando liberdade. Quando recebeu proposta para voltar com 15% de aumento, recusou: 

“Se me pagassem algo em torno de 20 mil a 30 mil reais, aí eu voltaria para a carteira assinada. Mas, por enquanto, prefiro trabalhar no meu ritmo e ter mais tempo com minha família.”

E Rocha não é exceção, segundo Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva. A flexibilidade e liberdade do trabalho informal são um ponto comum nos resultados das pesquisas qualitativas que ele coordenou sobre o tema. Para essas pessoas, a matemática é diferente. Mesmo que ganhem menos inicialmente, tem algo que a CLT não oferece: liberdade para crescer sem limite de tempo, salarial, flexibilidade total de horários e a possibilidade de construir algo próprio. Resultado: em 7 das 27 capitais, mais da metade dos trabalhadores está fora da carteira assinada.

E isso está gerando um efeito colateral: escassez de mão de obra em setores específicos. Construção civil e supermercados, por exemplo, enfrentam dificuldades para preencher vagas porque trabalhadores qualificados preferem a flexibilidade do trabalho autônomo. A alta taxa de informalidade da economia brasileira acaba permitindo essa rotatividade, o que leva à escassez de mão de obra em alguns setores. É o mercado falando. Quando as pessoas têm opção, escolhem em liberdade.

Paralelamente, em 2024 houve recorde de pedidos de demissão. Mais de 4 milhões de brasileiros deixaram seus postos na primeira metade do ano. A mensagem é clara: as pessoas preferem a incerteza da liberdade à certeza da prisão. Mas a questão vai além da matemática. Nas redes sociais, ser CLT virou xingamento. Uma publicitária contou que ouviu da filha de 12 anos: 

“Vou estudar para não virar um CLT.”

Eric Chavez, de 19 anos, viralizou ironizando: “Quem quer pegar trem às 6 da manhã para ir para o Brás, seus adultos irresponsáveis?” Ele diz ganhar entre 3 e 5 mil mensais com vídeos e já é inspiração para outros jovens do seu bairro. Embora reconheça: é muito difícil crescer nas redes. E ele está certo, nem todos que tentam ser influenciadores conseguem ganhar a vida com isso.

Segundo uma matéria do ICL Notícias, um estudo da University College Dublin acompanhou 40 mil aspirantes a influenciadores e descobriu que apenas 1,4% conseguiu passar de 5 mil seguidores em 4 meses. Mas o que isso mostra? Uma mudança cultural. Para os jovens, ser empregado representa submissão, não segurança.

E aqui surge um paradoxo interessante. Ao mesmo tempo em que a informalidade cresce, o emprego formal teve recorde: 39,560 milhões de trabalhadores com carteira no setor privado no trimestre até fevereiro de 2025. Mas quem está ocupando essas vagas? Mais de 75% dos empregos formais gerados em 2024 foram preenchidos por beneficiários do Bolsa Família.

Isso revela algo, no mínimo, interessante: a CLT só é atrativa para quem não tem outra opção. Quem pode escolher, está escolhendo sair. Claro, sair da CLT tem seus riscos. Mas quem escolhe esse caminho não fica necessariamente desprotegido. Pode fazer previdência privada, ter plano de saúde próprio e criar reservas de emergência. É trocar proteção estatal por responsabilidade individual.

Mas, ao mesmo tempo, nem todo mundo tem capacidade de negociar diretamente com empresas ou autocontrole para gerenciar benefícios. Para algumas pessoas, ter o 13º forçado é melhor que receber mensalmente e gastar. O problema é quando um sistema criado para proteger os mais vulneráveis se torna obrigatório para todos — incluindo quem tem qualificação e capacidade para negociar por conta própria.

A solução não é eliminar proteções, mas dar opções. Quem quer segurança, escolhe a CLT. Quem quer liberdade e a possibilidade de ganhar mais, escolhe abrir uma empresa. E cada vez mais pessoas descobrem que podem ter essa proteção por conta própria, sem depender de um sistema que promete segurança, mas que cobra caro de todo mundo.

A saída não vem do governo

Durante décadas, venderam a ideia de que a solução para os problemas trabalhistas é mais governo, mais proteção, mais direitos e mais regulamentação. Uma narrativa que também vem da era industrial, onde o patrão é pintado como o homem mau, o explorador, e o trabalhador é o explorado. Enquanto isso, o governo cobra tanto do empresário quanto do trabalhador, para supostamente equilibrar essa disputa.

O resultado é um sistema onde contratar é perigoso, demitir é caro, e todos ficam presos numa relação que não funciona. O trabalhador acha que está protegido, mas, na prática, recebe menos do que a empresa paga por ele. A empresa paga caro por mão de obra, mas o funcionário não vê esse valor na conta.

A CLT parte da premissa de que o trabalhador é incapaz de negociar por conta própria, de pagar seus próprios impostos ou de definir quais serviços quer contratar para ter uma segurança futura e que ele precisa que o governo defina tudo: horário, salário, benefícios e forma de contratação. É a infantilização do trabalhador.

A Reforma Trabalhista de 2017 tentou corrigir parte do problema. Permitiu acordos específicos entre empresas e funcionários, ampliou a terceirização e criou contratos intermitentes. E funcionou, pelo menos parcialmente. O recorde atual de empregos formais sugere que flexibilizar regras ajudou empresas a contratar mais mas não foi o suficiente.

O sistema judicial continua imprevisível. A insegurança jurídica persiste, e a indústria das indenizações segue operando. A saída não está em mais proteção governamental, mas em menos dependência do governo. É isso que o movimento de rejeição à CLT representa: a preferência pela responsabilidade individual sobre a dependência estatal. Não é irresponsabilidade é maturidade.

Claro que talvez esse sistema não seja para todos. Existem pessoas que não têm informação e educação suficientes para julgar se estão fazendo um bom contrato de trabalho, e talvez essas pessoas realmente precisem de alguém que intermedie por elas. Mas não é a realidade de todos nem da maioria  como talvez fosse na década de 40.

Como sugere o economista Igor Moraes, que acompanha esses dados há anos, precisamos de uma segunda reforma trabalhista que elimine de vez a CLT e todo o aparato jurídico ao redor desse modelo antiquado. No fim das contas, a CLT não está sendo rejeitada porque os jovens são irresponsáveis. Está sendo rejeitada porque não funciona mais. Um sistema criado para resolver problemas de 1940 não serve para a realidade de 2025. E fingir que a solução é mais governo não vai resolver nada.

Eu já estive de todos os lados: trabalhei muitos anos como CLT em empresas pequenas e grandes, já trabalhei informal, fui funcionário por anos no Canadá e, há bons anos, tenho a minha empresa. Quando eu trabalhava de carteira assinada, achava injusto. Hoje, como empresário, eu realmente entendo o porquê.

Um sistema antiquado que explora os dois lados e beneficia uma série de organizações sanguessugas que vivem dessa narrativa de colocar o funcionário contra o empregador. Por outro lado, não existe nada mais gratificante do que você ser o responsável pelo seu trabalho e sua renda, te possibilitando ganhar bem mais com liberdade e com poder de negociar o que é justo para você, fazendo seus horários e suas regras.

O MEI de hoje é o empresário de amanhã, que decidiu começar algo sozinho e se viu na necessidade de contratar para crescer. E, nos tempos atuais, não precisa de muita coisa. Se você entende o básico de como usar um computador e algumas tecnologias atuais, você já tem mais que o necessário para dar os primeiros passos. Só não pode ser uma pessoa preguiçosa ou acomodada. Para esses, a CLT ainda é o melhor caminho.

ELEMENTAR


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